terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Ciência e Fé: A Visão "Lógica" do Mundo




Ciência e Fé: A Visão “Lógica” do Mundo

Extraído do Capítulo IV do Livro de Christos Yannaras, O Abecedário da Fé.
Fonte: Contacts – revue française de l´orthodoxie XXXVIII année – nº136
Tradução para a língua portuguesa: Manastir Sv. Apostola Petra i Pavla, BiH.


1. A concepção científica do mundo

Para o homem que nega ou repulsa as questões de ordem metafísica e que não crê numa possível experiência da revelação pessoal de Deus, o mundo e a realidade material tornam-se, muito geralmente, um refúgio ou um álibi que torna permitido fugir do problema de Deus. Ele invoca as certezas da física para provar que as dissertações da metafísica não são nem certas, nem dignas de fé. Ele recorre à claridade das medidas quantitativas para evitar a complexidade dos defeitos qualitativos que controlam a vida.

Decerto, o conhecimento da realidade física parece objetiva, imediatamente controlável, acessível a toda inteligência individual. Os fenômenos físicos são sensíveis, tangíveis e podem se medir, se traduzir em relações matemáticas e se interpretar logicamente. A experiência histórica, sobretudo durante os dois últimos séculos, mostrou que a inteligência humana pode sujeitar a realidade física, quer dizer, decifrar seus mistérios, contradizer as forças da natureza a fazer face às necessidades e desejos do homem, cuja vida adquire assim a facilidade, o bem-estar, os usufrutos.

É desta maneira, que em nossos dias, o mito do conhecimento eficaz se instaurou – a “ciência” por excelência. É inegável que, graças a ela, o homem escruta hoje tão bem os tanto os espaços infinitos como as partículas materiais mais ínfimas; pelo seu poder, ele conseguiu abolir a distância na superfície do globo, dominar as doenças, aumentar a duração da longevidade humana.

O homem pode então facilmente se orgulhar e crer que ele consegue hoje, graças à “ciência”, atingir o que procurava de maneira vã obter outrora pelas orações dirigidas a Deus. Se ele ainda não resolveu todos os seus problemas, certo está de o fazer em breve, visto o ritmo do progresso científico. Através de seus jornais de difuso popular, certos editores imaginativos cultivam junto de seus leitores – ainda mais inocentes – esta certeza da “ciência” todo-poderosa em direção da qual eles dirigem todo problema ou toda questão do homem que fica sem resposta.

Na América, podemos desde já, medindo uma participação financeira elevada, assegurar a abolição definitiva da morte, vitória que a “ciência” obterá em alguns anos. Para isso, é-nos suficiente, daqui acolá, permanecer em estado de congelamento, pronto a retomar vida. Sem dúvida alguma, esta nova divindade impessoal, a “ciência” propriamente mitificada, tornou-se, em nossos dias, o ópio das massas – responsável por seu entorpecimento metafísico.
Necessário, todavia, nos é reconhecer, para sermos mais exatos, que a super estimação das capacidades da ciência e a busca, no campo da física, de argumentos destinados a escorar o ateísmo, pertencem, sobretudo ao século passado.

Este sintoma, hoje, sobrevém menos nos laboratórios científicos do que na imaginação dos ignorantes cujos circuitos comerciais aproveitam amplamente, entretendo o mito do todo-poder e das capacidades miraculosas da “ciência”.

Em nossa época, o progresso das ciências veio, decerto, esclarecer o mistério do mundo que nos cerca e responde as questões que permaneciam por tantos séculos sem respostas. Mas ele veio também a reerguer o caráter relativo de nossos conhecimentos e a tão fraca positividade de nossas ciências ditas “positivistas”.

Não podemos dar, aqui, lugar a uma análise detalhada desta constatação. Lembremos simplesmente que as novas conclusões científicas que surgiram no curso de nosso século exigem que renunciemos à certeza do conhecimento garantido pelos nossos sentidos (sensos) ou pelas constituições de nossa lógica.

Esta certeza fora principalmente exprimida pela geometria de Euclides e a física de Newton. No entanto, estas duas elaborações fizeram prova de uma capacidade limitada e insuficiente para interpretar a realidade do mundo. Elas se revelam seguramente úteis À interpretação de nossa experiência sensível limitada. Mas sua validade não se estende nem ao domínio do infinitamente grande, nem àquele do infinitamente pequeno.

A relatividade de nosso conhecimento científico em relação à verdade do mundo foi claramente demonstrada pela primeira vez por Albert Einstein. As duas teorias da relatividade (restrita e geral) mostraram que a observação científica só pode conduzir a conclusões relativas, porque as próprias conclusões dependem sempre da situação e do movimento do observador.

Simultaneamente, o princípio de indeterminação de Werner Heisenberg excluiu a previsão definitiva (e em seguida, toda possibilidade de determinismo) no domínio da micro-física. Ele ligou, em outra, o resultado da observação científica não simplesmente ao fator “observador”, mas ao próprio fato da observação, quer dizer à relação cada vez estabelecida entre o observador e objetos considerados. Paralelamente, a análise dos fenômenos de esplendor térmico feita por Max Planck e a teoria das quantidades de Niels Bohr provaram que o comportamento da luz se identifica com a constituição ou estrutura do átomo, quer dizer com a maneira que a menor quantidade de energia se apresenta à observação.

Manifestando-se sob a forma ora corpuscular, ora ondulatória, a menor partícula de matéria ou de luz representa uma transferência de energia. Isto significa que o próprio fundamento (a “hypostase”) da matéria é a energia, que a matéria possui as qualidades constitutivas da luz e que a luz é, de alguma maneira, a matéria ideal.

2. A constituição “lógica” da matéria

No curso dos séculos, a filosofia se deparou com a questão: O quê é a matéria? Uma solução simples era então contornar a questão e considerar a matéria como indo de si e existindo desde a origem ou bem dizer que ele fora criada por Deus sem explicar como, do imaterial, surgira o material nem como, da incorruptibilidade e do intemporal, surgira o corruptível e o efêmero.

Nestas duas interpretações (auto-existência ou criação por Deus), a matéria permanecia igualmente inexplicada. Era também realmente trágico assistir as querelas entre os materialistas e idealistas (querelas por vezes sangrentas), posto que as duas partes sustentavam posições metafísicas igualmente arbitrárias, dando-lhes somente nomes diferentes.

Antes de chegar às afirmações da física contemporânea, só encontramos na história da filosofia uma única posição que explica a constituição da matéria. Fora ela formulada pelos Padres gregos da Igreja. São Gregório de Nissa e São Máximo o Confessor viram a matéria como um fato de ordem energética. Eles consideraram sua constituição como sendo o concurso e a união de “qualidades lógicas”.

Tomadas em seu todo ou em cada uma de suas facetas, o mundo é um logos posto em prática, uma energia criada pessoalmente por Deus. Conforme ao relato da Gênesis, Deus criou todas as coisas pelo Seu único Verbo (Logos): “Ele falou e assim foi”. O Verbo de Deus não passa mas Se hypostasia enquanto que acontecimento posto em prática, “tornado logo então, natureza”. Da mesma maneira que o verbo humano de um poeta constitui uma nova realidade que lhe é exterior, aquela do poema, mas ao mesmo tempo aquela do efeito e da manifestação de seu próprio verbo, o Verbo (Logos) de Deus é posto em prática dinamicamente “no fundamento e na formação da criação”.

Retomemos a mesma imagem: o poema, obra do poeta, é uma coletânea, uma união de palavras (logoï). Mas para que haja poema, uma simples reunião de logoï é insuficiente pois que necessário se faz uma concordância, seu concurso, sua síntese e construção. Este concurso dos logoï que constituem o poema é uma nova realidade, duma outra “essência” – aquela do poeta.

Todavia, esta realidade revela sempre o logos da alteridade pessoal do poeta. Ela cria então, de maneira contínua, novas realizações da vida: um poema é um logos que é posto em prática e opera de maneira dinâmica, através do tempo; cada uma de suas leituras é uma nova regeneração vivida, uma relação “lógica” distinta, o ponto de partida de novos desafios criadores.

Nada do que constitui um corpo material não é “corporal”, diz São Gregório de Nissa, nem sua forma, nem sua cor, nem seu peso, nem sua densidade, nem sua composição química, nem suas dimensões, nem seu grau de umidade, nem seu calor interno. Tudo isto constitui um conjunto de logoï, que ao se convergirem e reunirem numa unidade, tornam-se matéria.

Na linguagem da física moderna, tomamos a constatação de São Gregório de Nissa, utilizando simplesmente uma terminologia diferente: fazíamos referência à lonjura das ondas, dos campos eletromagnéticos na irradiação térmica, com relações de carga, quer dizer sob medidas de energia, dos logoï que, ainda lá, determinam um acontecimento posto em prática: a matéria.

A matéria que exprimimos hoje é o quê a matéria é matemática: as propriedades obedecem a relações lógicas, e as determinações qualitativas a relações (ana-logias) de grandeza. Procurando a estrutura da matéria, a física contemporânea não descreve uma entidade dada, ela detecta antes estados energéticos que “emergem” no desafio da experimentação. As variedades da matéria se resumem na diferenciação dos átomos.

Quanto aos átomos, eles variam segundo a combinação de suas cargas elétricas positivas e negativas; eles são, por assim dizer, as manifestações duma única e mesma realidade: a energia.

Quer utilizemos a linguagem dos Padres gregos ou aquela da física contemporânea, a conclusão é que a realidade da matéria constitui um acontecimento posto em prática que é acessível ao homem enquanto que possibilidade de logos.

O logos humano encontra no seio da natureza um outro logos. Assim, o conhecimento da natureza é ela mesma somente aná-loga ou, por melhor dizer “dia-loga”. O logos caracteriza a pessoa; ele revela a capacidade inicial do existente antes de toda outra possibilidade duma realização “hypostática”. Ele é o original e o indescritível, a consciência de si da pessoa, em sua alteridade e sua liberdade, em sua auto-revelação e sua manifestação criadora.

É no interior do mundo que o homem pessoal encontra o Deus pessoal. Ele O encontra, não em um face-a-Face, mas oculto, tal como encontramos um poeta, de maneira ocultada, através do logos de sua poesia ou um pintor através do logos de suas cores. Pois que Ele é “o Deus que ordena à luz de surgir dentre as trevas” (II Cor. 4, 6). Todavia, para fazer conhecê-Lo em verdade em Sua alteridade pessoal, mesmo as conclusões chocantes da física contemporânea não são suficientes. Somente “em nossos corações” que pode brilhar “a claridade do conhecimento da glória de Deus”, e somente “na Pessoa de Jesus Cristo” (II Cor. 4, 6).

O nome é a única revelação possível da pessoa, e o nome de Deus nos foi dado na Pessoa histórica de Jesus – “o Nome acima de todo nome” – glória e revelação de Deus Pai (Fp. 2, 9 – 11).

“O Deus que disse: que das trevas resplandeça a luz, é Aquele que resplandeceu em nossos corações, para fazer brilhar a claridade do conhecimento da glória de Deus na Pessoa de Jesus Cristo” (II Cor. 4, 6). É Deus que nos revela Deus. Ele Próprio Se desvenda pela claridade de um conhecimento que não é para ser tomado como sentido ou conceito, mas como nome ou pessoa. Este conhecimento é o Cristo Jesus, a glória-revelação de Deus.

A claridade deste conhecimento é feita em nossos “corações”, nas profundezas de nossa identidade pessoal, lá onde cada um de nós é outro além de sua educação, seu caráter, sua hereditariedade, sua psicologia, sua máscara social, e se identifica somente com seu nome. É em nossos corações que o nome de Jesus manifesta a hypostase pessoal de Deus. Este revelar-desvendar é, por excelência, o acontecimento da relação, da adoção e do apelo “do não-ser ao ser”.

O Deus revelado em nossos corações é Aquele-Mesmo que diz: que das trevas resplandeça a luz, e que tirou do não-ser ao ser, a matéria original ideal. Seu mandamento criador torna-se matéria, energia criada, suporte de Seu logos – quer dizer do Logos que faz brilhar igualmente em nossos corações a claridade do conhecimento de Sua Pessoa. Este primeiro mandamento criador: “Que a luz seja”, contém todas as potencialidades em vista da realização da existência criada, em particular a possibilidade da existência do mundo e de cada um de nós, da existência de nossos vasos de argila. Mesmo se ele se situa há milhões de anos atrás, este mandamento que inclui o sentido do mundo e de seu começo temporal pode ser reencontrado no coração profundo de nossa identidade pessoal. Pois que é lá que se desvenda o suporte pessoal deste mandamento, Jesus, o Deus Verbo.

A verdade do mundo é, segundo a Igreja, inseparável do conhecimento de Deus, o conhecimento de Deus é inseparável da Pessoa de Cristo. A Pessoa de Cristo, pelo mandamento do Logos que se situa na origem dos tempos e nas profundezas de nossos corações, é inseparável da claridade do conhecimento que nos ressuscita à vida, em nossa adoção por Deus.

3. Energias naturais

Falando precedentemente do Deus Trinitário e da maneira com a qual podemos exprimir Sua existência, distinguimos a realidade formulada pelo vocábulo essência ou natureza, da realidade formulada pelo vocábulo pessoa ou hypostase. Em nosso proposto acerca do mundo, utilizamos o vocábulo energia para exprimir uma terceira realidade que difere tão bem da essência que da hypostase, mas funda o existente no mesmo título do que estas aqui, permanecendo mesmo assim simultaneamente ligada a elas.

De fato, a teologia da Igreja interpreta a realidade da existência, a aparição e a manifestação do ser, a partir destas duas distinções fundamentais: ela distingue a essência ou a natureza, da pessoa ou hypostase, da mesma forma com que distingue igualmente as energias, tão bem da natureza que da hypostase. É por estas três categorias fundamentais: natureza, hypostase, energias que a teologia resume o modo de existência de Deus, do mundo e do homem.

Mas o quê designamos precisamente pelo termo energias? Por este vocábulo designamos a capacidade que possui a natureza ou a essência de fazer conhecer sua hypostase ou existência, para torná-la conhecível e participável. Esta definição pode ser esclarecida se utilizarmos de novo um exemplo tirado de nossa experiência imediata e se falarmos de energias de nossa natureza ou essência humana.

Todo homem possui uma inteligência, uma razão, uma vontade, desejos, uma imaginação; todo homem constrói, ama, cria. Todas estas faculdades, e outras ainda análogas, são comuns a todos os homens; dizemos então que elas pertencem à natureza ou essência humana. São capacidades ou energias naturais que distinguem o homem de todo outro ser.

Todavia, estas energias naturais, ainda que sejam comuns a todos os homens, são manifestadas e realizadas por todo homem de uma maneira única, diferente e insubstituível. Todos os homens possuem em efeito uma inteligência, uma vontade, uma capacidade de desejo, uma imaginação, mas cada um deles pensa, quer, deseja e imagina de uma maneira absolutamente distinta. Diríamos também, decerto, que as energias naturais distinguem o homem de todo outro ser, mas, por outro lado, se manifestam de uma maneira que distingue todo homem de todos os seus congêneres. As energias naturais são a própria matéria em que se revela e se manifesta a alteridade de cada hypostase humana, quer dizer de cada pessoa humana.

Não existe outra maneira de conhecer a alteridade pessoal do homem, fora da manifestação das energias naturais. As energias nos permitem conhecer a alteridade da pessoa, participando do modo (ou do “como”) de sua manifestação.

A maneira que se distingue o verbo de Cavafy daquele de Séferis, ou o amor de nosso pai de ternura de nossa mãe, é uma coisa que não se pode determinar objetivamente, senão por meio de expressões relativas e imagens fazendo o ofício de analogias.

Para conhecer esta diferença, devemos participar, experimentar a participação ao verbo ou ao amor de outra pessoa. Nós dizemos, nas páginas precedentes, que para conhecer alguém torna-se necessário ter uma relação com ele. Completamos neste presente então esta reflexão dizendo que a relação não significa um simples encontro, uma visão ou uma observação imediata, mas antes uma participação às energias que revelam a alteridade da pessoa: a expressão do rosto, a palavra, as manifestações de amor…

São Máximo o Confessor faz uma observação muito importante a este respeito: ele constata que existem duas sortes de energias: as energias homogêneas, tal como ele as chama, e as energias heterogêneas para com a natureza do sujeito agente. Desta forma, existem energias que são manifestadas de maneira homogênea (de mesmo gênero, de mesmo tipo, de mesma qualidade) para com a natureza do sujeito agente.

E existem energias reveladas por essências de um gênero diferente da natureza do sujeito agente. Por exemplo, a voz humana, a expressão articulada, é uma energia verbal “homogênea” para com a natureza do homem. Mas a energia da palavra pode igualmente ser revelada por essências “heterogêneas” em relação à natureza do homem – estas outras essências, como a escritura, a cor, o mármore, a música, etc, podem então dar forma à palavra.

Podemos compreender assim como é possível conhecer uma pessoa, por vezes diretamente e indiretamente: no-la conhecemos diretamente quando a encontramos, quando escutamos suas palavras, vemos sua expressão, seu olhar, seu sorriso, quando a amamos e quando ela nos ama. Mas conhecemos uma pessoa indiretamente quando havemos somente lido seus escritos, escutado suas obras musicais ou visto simplesmente as telas que ela pintou.

Em ambos os pontos, o conhecimento é incomparavelmente mais completo do que toda informação “objetiva” de nossa parte sobre a pessoa. Podemos fortemente reunir todos os dados que existem sobre a vida de Van Gogh, por exemplo, e ler todas as biografias que lhe são consagradas. Mas não conhecemos a pessoa de Van Gogh, o elemento único, diferente e insubstituível de sua existência, antes somente através de suas telas. É lá que encontramos um logos que é unicamente o seu e que o distingue de todo outro pintor.

Quando vemos suficientemente os quadros de Van Gogh e reencontramos um, logo em seguida, dizemos imediatamente: é de Van Gogh. Distinguimos imediatamente a alteridade de seu logos pessoal, a unicidade de sua expressão criadora.

O que quer que seja, este conhecimento da pessoa de Van Gogh através da descoberta de suas obras, ainda que ela seja incomparavelmente mais completa que os dados biográficos sobre sua pessoa, não deixam de ser, ele-mesmo, um conhecimento indireto. Para que este conhecimento seja direto, necessário seria encontrar Van Gogh, falar e viver com ele, amá-lo e ser por ele amado. Queremos, portanto, insistir sobre a possibilidade que existe de conhecer uma pessoa pela manifestação de seu logos (de sua alteridade existencial) através das essências heterogêneas em relação à essência da própria pessoa.

Van Gogh, segundo sua essência, é um homem, enquanto que um de seus quadros, segundo sua essência, é uma tela com cores. Estas cores dispostas sobre a tela tornam-se, todavia um logos que desvenda o “mistério” da pessoa, a unicidade e a alteridade da existência de Van Gogh. A energia criadora de Van Gogh, sua criação de pintor, torna possível nossa própria participação ao conhecimento de sua pessoa.

Faremos ainda um remarque, neste mesmo exemplo: nós todos que conhecemos a unicidade do verbo de Van Gogh, levando em consideração um de seus quadros, participamos a este verbo, cada um de nós, de uma maneira pessoal, quer dizer única, diferente e insubstituível sem que esta participação pessoal de cada um de nós “despedace” o logos revelador da alteridade de Van Gogh em tantas partes quanto haja participantes a este logos através do quadro. Exprimido de maneira pessoal, o logos permanece uniforme e indivisível, enquanto que ele é simultaneamente “participável por todos de uma maneira única”.

O quadro (assim como o poema, a estátua, a música, a voz humana) representa a energia do logos de um ser humano – o pintor: dizendo de outra forma, a possibilidade para nós todos de vermos o mesmo quadro, de participarmos à alteridade desta mesma pessoa.

4. Contemplação da natureza

Podemos, neste agora, compreender mais profundamente o que a Igreja entende ao definir o mundo como um efeito das Energias de Deus, uma revelação do logos criador de Deus (da Pessoa de Deus Verbo) através das essências “heterogêneas” em relação à Essência de Deus. A realidade material do mundo e a infinidade de espécies ou essências que dão forma a esta realidade, são um efeito da energia livre, pessoal e criadora de Deus. O mundo é essencialmente (segundo sua essência) diferente de Deus, ainda que ele seja ao mesmo tempo um logos revelador da alteridade pessoal de Deus.

Os Padres da Igreja chamam contemplação da natureza o estudo do logos de Deus na natureza, a descoberta de sua alteridade pessoal sobre cada faceta da beleza e da sabedoria do mundo. A própria matéria do mundo é um acontecimento posto em prática dinamicamente, uma energia “heterogênea” para com a Natureza de Deus, uma energia criada do Deus incriado [que não tem começo nem fim].

Também distinguimos a energia criada de Deus e constitutiva do mundo, de suas Energias incriadas que são “heterogêneas” para com as criaturas e “homogêneas” para com Deus. Estas Energias incriadas são chamadas comumente de Graça, quer dizer dom de vida da parte de Deus ao homem.

Conhecemos indiretamente a Face de Deus estudando a realidade do mundo, a alteridade do logos das energias divinas criadas que constituem e formam o universo natural. E nós conhecemos diretamente a Face de Deus por Suas Energias incriadas, pelas quais Deus é “totalmente participável” e “participável para todos de uma maneira única”, tornando-se simples e indivisível. É desta forma que Ele oferece ao participante o que Ele possui “segundo a natureza” fora a “identidade segundo a essência” tornando o homem, segundo a palavra da Escritura, “participante da natureza divina” (II Pd. 1, 4).


Traduzido do grego por Michel STAVROU

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