quinta-feira, 19 de abril de 2012

A Via Espiritual do Oriente Cristão






A Via Espiritual do Oriente Cristão

Rev. Jairo Carlos S. Jr.
Igreja Ortodoxa Sérvia
Diocese Leste da América
Pensilvânia – USA
Missão Ortodoxa de São João Crisóstomo
Caruaru – PE
Quaresma dos Apóstolos, 2011

Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção;
mas o que semeia no Espírito,do Espírito ceifará a vida eterna
São Paulo, Apóstolo

Introdução:

  • Se comparássemos as espiritualidades contemporâneas à antiga experiência inglesa de Robin Wood, certamente, encontraríamos aquelas que fazem recair o acento sobre o exímio uso do arco e da flecha, e dos demais instrumentos por aquele bando de justiceiros, como seria o caso das espiritualidades que enfatizam instrumentos específicos, tais como, a Bíblia, a glossolalia, e etc. Outras faríam recair o acento sobre o chefe do bando, como seria o caso das espiritualidades centradas em líderes carismáticos que arrebatam multidões. Ainda outras faríam recair o acento sobre o bando em si mesmo, como no caso das espiritualidades que enfatizam o alto teor de participação da comunidade humana, dos grupos organizados e etc, geralmente, subversivos e heróicos.
  • A via espiritual do oriente cristão, longe de criticar os mais diversos tipos de espiritualidade em suas respectivas ênfases, apenas se dá ao trabalho de perguntar, quer aos Robin Woods, quer aos seus grupos com os seus mais diversificados instrumentos, a respeito da vida interior de todos e de cada um, a respeito da harmonia indispensável da vida interior dos líderes e de suas comunidades e a conseqüência disso para o uso dos instrumentos de efetivação de suas propostas.
  • Para o oriente cristão, a alma humana é não só o ponto de partida, mas a própria espiritualidade em si mesma, razão para fazer recair toda sua ênfase e prática na experiência de interiorização espiritual a partir do legado deixado pelos santos padres do deserto e monges hesicastas de outrora que descobriram assim uma espiritualidade absolutamente prática e atualmente indispensável à efervescência de espiritualidades contemporâneas, geralmente alheias ao cuidado mais profundo com a vida interior do próprio sujeito e ator de toda e qualquer proposta difundida – o ser humano.
  • De acordo com São Paulo, apóstolo, no texto acima, toda a vida cristã e, especificamente falando, a espiritualidade cristã deve se ater à semeadura espiritual, única capaz de produzir frutos eternos. Afinal, a semeadura feita na carne tem por fim último a corrupção, isto é, a transitoriedade, um inevitável destino desprovido de imortalidade, mesmo quando repleto dos mais legítimos ideais humanos.

I.                    As Faculdades da Alma de acordo com São Gregório Palamas
– Espiritualidade Grega e a Síntese de Tessalônica –

  • Uma espécie de extrato da experiência dos santos padres do deserto e uma madura suma da espiritualidade hesicasta nos foi legado pelos escritos de São Gregório Palamas, o qual nos sintetizou a tradição do deserto a respeito das faculdades da alma que designou com os cinco termos gregos que seguem:
nouV (nus) – espírito
(responsável pelo relacionamento com Deus e harmonia interior)
  • A primeira faculdade da alma humana é o nouV que foi criado como estando voltado para cima, na contemplação de Deus, de onde irradiava a Luz Incriada (contemplada na história da salvação sobre o Monte Tabor na Face de Cristo, o último Adão, e ao longo da história da Igreja nos Santos Ícones e na experiência místicas dos santos) sobre todas as demais faculdades da alma. No entanto, toda sorte de trevas envolveu a alma humana desde que, com o primeiro Adão, o nouV voltou-se para baixo, na contemplação de si mesmo, sendo contudo esta última contemplação a forma de recolhermos o nosso espírito (o nouV) a fim de atingirmos a contemplação das realidades divinas.
logoV (logos) - razão
(responsável pela justificação racional, ou seja, a elaboração)
  • O logoV tem sido confundido no ocidental com o nouV, razão porque a inclinação, e a própria natureza, da teologia ocidental é intelectiva e não mística. O logoV, a segunda faculdade da alma humana, é a mais imediatamente iluminada ou obscurecida pelo nouV não se confundindo entretanto com ele, sendo este também o motivo real para submetermos inteiramente nossos raciocínios e elaborações à contemplação divina, à teologia mística, e não aos sofisticados produtos das justificativas racionais e elaborações sistemáticas da Verdade Divina, a qual, por sua vez, trata-se de uma Pessoa e não está meramente circunscrita às palavras por ela ensinadas.
doxa (dóxa) - opinião
(responsável pela volição, ou seja, a vontade)
  • A doxa é não somente a faculdade mais diretamente vinculada ao logoV, mas também está, em sua presente condição, em forte desarmonia com ele. A partir e por causa da queda, a volição (representada por Eva) e a razão (representada por Adão) entraram em desarmonia não mais gozando de uma relação de amor mútuo (cujo responsável, e não único realizador, é o homem) e submissão recíproca (cuja responsável, e não única realizadora, é a mulher), como ao princípio.
jantasia (fantassía) - imaginação
(responsável pela reflexão criativa)
  • A quarta faculdade da alma humana – e uma das mais perigosamente desarmonizadas com as demais – é a jantasia. Tendo como principal função a criatividade que, em tese, seria a que deveria estar mais vinculada à Deus, enquanto Criador. No entanto, a jantasia tem servido como acesso às sugestões do inimigo, aos estímulos do corpo e às influências obscuras das demais partes da alma humana obscurecida pelo pecado.
aisJesiV (áisthesis) - sensação
(responsável pela percepção extra-sensorial)
  • É a faculdade mais vulnerável da alma e mais diretamente vinculada ao corpo.

II.                  O Livre Arbítrio e as Faculdades da Alma em São Theophan
Espiritualidade Russa e a Ciência da Alma –

  • Uma forma concreta de se colocar à caminho da via espiritual do oriente cristão tem sido fortemente exposta por uma dos maiores clássicos da espiritualidade ortodoxa russa A Vida Espiritual e como estar familiarizado com ela, um estudo por entre as misteriosas dimensões da ciência da alma humana, escrito por São Theophan, o recluso.
  
  • Algumas das linhas-metras de tão gloriosa ciência são:
  
  1. Somente um ambiente que favoreça a liberdade e a consciência de si é capaz de manter viva a alma humana, razão porque, em contrapartida, o inferno, para o homem, está vinculado à consciência que tem de si mesmo e da ausência de liberdade para exercê-la.

  1. Se nós temos problemas em nossa vida, isso se dá quase sempre não tanto por causa de nossas inclinações doentias e corações enganosos quanto por causa de uma lacuna de zelo e fervor em relação àquilo que é verdadeiramente digno.

  1. Nós temos concentrado nossa atenção na vida deste mundo que é, em última análise, pura vaidade e muito semelhante à vida vazia dos animais, não sendo por isso mesmo vida de modo nenhum, ainda que a realidade não se nos mostre desta maneira e nos imponha que a vida com Deus não seja vida.

  1. Devemos nos ater à seguinte proposta: tudo o que é verdadeiramente digno pertence à própria estrutura da natureza humana, razão porque tudo o que precisamos redescobrir está vinculado ao modo de vida como fomos criados por Deus.

  1. A maior evidência de que a vida deste mundo é que não se constitui como a verdadeira vida está no fato de que ela sempre separa da liberdade e submete à uma cruel escravidão aos que lhe são devotos, razão porque o orgulho, a hipocrisia e o egoísmo teimosamente persistem.

  1. A fim de nos apegarmos ao que é verdadeiramente digno, nós precisamos aprender a guardar o nosso coração de tudo o que nos é simpático e atrativo neste mundo para vivermos nele apenas na carne (fisicamente), mas não nos apegarmos a ele com toda a intensidade de nossa alma (espiritualmente), o que acontecerá inevitavelmente se nos dedicarmos a um cuidado excessivo com as realidades de nosso corpo.

  1. A predominância da vida intelectual e carnal como atmosfera de nosso estado pecaminoso e a supremacia da vida espiritual como norma da verdadeira vida do homem.

III.                Os Logismoi e o Combate Interior segundo Evágrio Pôntico
 – Espiritualidade Egípcia e o Método da Oração Interior –

  • Cerca de duzentos e cincoenta anos depois da comunidade do Ponto receber as epístolas de São Pedro, nasceu ali – em 345 – Evágrio, o qual morava na propriedade da família de Basílio (onde Basílio e Gregório de Nazianzo vieram fazer um retiro a fim de experimentarem uma experiência monástica). Depois de algumas amarguras na vida, Evágrio é obrigado a mudar-se para Jerusalém, onde é aconselhado a viver como monge no Egito. Ali, desenvolveu um método espiritual que visa purificar a parte apaixonada da alma, o lento trabalho de purificar o coração através de uma análise dos movimentos da alma e do corpo, dos impulsos, das paixões, dos pensamentos. A estes últimos, Evágrio chama de "logismoi", designando-os como:

gastrimargia (gastrimargia) – gula
jilarguria (filargyría) – avareza
porneia (pornéia) – obsessão sexual
orgh (orgê) – cólera, patologia do irascível
luph (lýpe) – tristeza, melancolia
kenodoxia (kenodoxía) – vanglória, inflação do ego
uperhjania (hyperefanía) – paranóia, delírio esquizofrênico

  • Segundo Evágrio, os logismoi desorientam a pessoa humana fazendo-a perder o sentido de sua finalidade primeira – a união com Deus. Os logismoi são as doenças do velho homem somente remediadas pela chamada apaJeia (apathéia) – um estado não-patológico do ser humano, um estado de espontaneidade, de inocência, de simplicidade (palavra próxima do verbo apaJanatizw (apathanatízo – divinizar, imortalizar). Trata-se de um estado da inteligência que vê as coisas como elas são, sem projetar-se nelas com suas memórias, suas idéias, suas ideologias, seus ídolos. É estado de calma e de saúde do cérebro, estado de pureza de coração, acesso a uma dimensão do amor que não depende de circunstâncias, um estado de luminosidade e leveza, a possibilidade de uma participação real de nosso ser espácio-temporal na vida divina – o estado de oração por excelência obtido por meio de uma técnica de oração, um método centrado na oração interior, responsável pela guarda do nouV.
  • É a esse respeito que a Filocalia nos conta que um irmão perguntou ao abade Agatão: "Abade, dize-me o que é melhor: o penoso trabalho do corpo ou a guarda do espírito?" Agatão respondeu: "O homem é semelhante a uma árvore: o trabalho do corpo, são as folhas; a guarda do seu interior é o fruto. Está escrito: "Toda árvore que não produz bom fruto será cortada e lançada ao fogo'. Daí se conclui claramente que todo o nosso esforço deve ter por objeto os frutos, ou seja, a guarda do espírito. Mas também são necessários a sombra e o adorno das folhas, isto é, o trabalho do corpo".
  • A partir de tão valioso diálogo, Nicéforo, o solitário, conclui: "Admirai como nosso santo se expressa a respeito dos que não têm a guarda do espírito. Àqueles que só se podem orgulhar da vida ativa, diz ele: 'toda árvore que não dá fruto', ou seja, a guarda do intelecto (nous), mas que tem apenas folhas, isto é, a vida ativa, será cortada e lançada ao fogo. Terrível sentença, meu Pai!".

IV.               As New Realities of Life segundo o Abade Vasileios do Iveron
– Espiritualidade Athonita e a Ressignificação de Tessalônica –

  • Da ingerência do aparentemente desatualizado American Way of Life às invasivas influências dos atuais Reality Shows, pouco se acredita na poderosa transformação estabelecida pelas New Realities of Life do Reino dos Céus em meio aos homens, um tanto imperceptíveis, mas encontradas naquele monasticismo interiorizado exposto por Vasileios por ocasião da 4ª. Conferência de Jovens na Grécia (1989), com o tema: "O Jovem num Mundo em Mudança".
  • Já na 1ª. aos Tessalonicenses, São Paulo fala de algo bem mais sublime do que apenas anunciar o evangelho ao nos revelar as profundezas de seu ser apostólico nas palavras:
"quiséramos comunicar-vos... as nossas próprias almas
...orando abundantemente dia e noite,
para que... supramos o que falta à vossa fé
...para que sejais irreprensíveis em santidade diante de nosso Deus
 ...com todos os seus santos" (I Ts. 1:8 e 2:10, 13)

  • Em nossos dias, a jovem e primitiva Tessalônica cede lugar ao cristianismo interiorizado proposto pelo monasticismo athonita que passa pelos dez pontos seguintes:

(1) As novas realidades de vida em Cristo são traduzidas em uma existência católica, pois quem quer que perde sua alma em prol de outrem, encontra-se a si mesmo.
(2) Nós vivemos na carne como se estivéssemos vivos sobre os Céus, sendo esta também a mais genuína revelação do verdadeiro homem, aquele que não vive para si mesmo, mas é benção para outrem.
(3) A alma de cada um de nós se constitui como algo mais digno do que o universo inteiro, razão porque precisa separar-se das realidades deste mundo a fim de a ele retornar, sendo capaz de unir-se a todas as coisas.
(4) O retorno ao mundo é antecedido pelo retorno à nossa própria alma em busca da graça que possibilita o encontro consigo mesma, com o ritmo de sua vida no qual se consegue falar a sua linguagem e pastorear o "outro aprisco" profetizado pelo Bom Pastor.
(5) A pessoa, como um todo, apenas pode compreender a realidade em um processo de total doação a Deus, ponto em que Deus dá ao homem não o conhecimento do que é transitório, mas concede-lhe a graça que trouxe todas as coisas da não-existência à existência, ofertando-lhe o que o transfigura em um ser virtualmente incriado e "deus mediante a graça".
(6) A graça é a "inconcebível manifestação", cf. São Máximo, somente conferida à pessoa que espera pacientemente, ou seja, que não fere a outros, àqueles que através de dada "dúvida metódica" chegam à conclusão: "Eu perdôo, logo existo!".
(7) O ponto não reside em quantas línguas, linguagens ou idiomas alguém é capaz de falar, mas se ele tem ou não ido além da morte, aprendendo a linguagem da imortalidade, a linguagem da alma, visto que Deus não é compreendido por qualquer das linguagens deste mundo por ser mais alto do que todo conceito de divindade (uperJeoV - hypertheos).
(8) Bem-aventurado é somente quem, diante de Deus, considera a todos os homens como se estivesse diante do próprio Deus e procura a salvação dos outros como se fosse a sua própria, e, reputando a si mesmo como a "escória de todas as coisas" (I Cor. 4:13), termina por achar espaço para todas as coisas dentro de si mesmo ao invés de delas se separar.
(9) Se alguém é encontrado digno de considerar-se menor do que cada realidade criada, esse alguém está sendo conduzido à comunhão com todas as coisas e, somente assim se rebaixando, é possível encontrar a via de ascenção para Deus.
(10) Bem-aventurado é aquele que se entende como sendo um com todos os homens, à medida que se enxerga a si mesmo em cada um de seus irmãos de humanidade.

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