terça-feira, 11 de setembro de 2012

Texto em Homenagem à Festa de hoje

Faça tudo para não perder a cabeça!

 

Essa é a regra de ouro do culto moderno ao 'politicamente correto'. Em nossos dias, a expressão 'não perder a cabeça' adquiriu um sentido figurado que evoca uma atitude prudente e comedida, uma política de adaptação capaz de manter empregos, cimentar relacionamentos e não melindrar quem quer que seja, ainda que se negocie princípios e se tenha o famoso 'jogo de cintura' em relação à valores pessoais, comunitários ou organizacionais.

Houve épocas, porém, em que a expressão era usada em um sentido literal. Significava a luta pela sobrevivência em meio à hostilidade de um mundo bem pouco conhecedor do horizonte estabelecido hoje pelos chamados direitos humanos. Sim! O rei possuía poder de vida e morte. A guerra visibilizava as 'cabeças roladas' de muitos. A vida como um todo não permitia mudanças e revoluções, o que ocasionava o degolamento de todo e qualquer que fosse sequer entendido como contrário às estruturas vigentes.

Eis então a época da profecia nos tempos da bíblia. Jesus sinalizava para o fato de que a maioria dos profetas havia sido assassinada. E não foi outro, senão o seu próprio primo São João Batista, que coroou o seu suplício com o degolamento sob o rei impostor Herodes.

Contudo, não poderia ser diferente. São João apontava para a chegada de uma ordem cósmica debaixo da qual todos os reinos e reis, poderes e poderosos, haveriam de estar submetidos. A única falha foi a de não indicar com mais detalhes o caminho através do qual a referida ordem se estabeleceria, nem a duração de tal estabelecimento. E sua 'cabeça rolou' sem que sequer pudesse continuar sua pregação para esclarecer tais pontos.

Se houvesse tempo, ele certamente diria que o Caminho, a Verdade e a Vida na história dos homens apenas sulcam o amor sobre a terra, avizinhando assim uma longa colheita que somente haverá de ocupar seu espaço após longos séculos de arado.

Trata-se do arado daqueles que não olhariam para trás avultando cenas indesejadas, surradas e desgastadas pelo tempo nas telas da mídia a fim de fazer ecoar o terror de um 11 de Setembro, por exemplo.

Não! Os pregos da cruz, as mãos vazadas, o lado perfurado, os espinhos da coroa, o horror da paixão, assim como a degolação do primo do Crucificado apenas eram sintonizados pelos tímidos e discretos cristãos em seus calendários litúrgicos, em suas celebrações eucarísticas, em seus rituais acusados, inclusive, de canibalismo.

É! Parece que não havia muito ibope. Não se tratava de notícia midiática. Aquilo não dava audiência! Ao contrário, exigia novos martírios, suplícios e degolações sob a pesada mão de um império que tudo fazia para obscurecer uma fé singela e descomprometida com a mídia, uma fé desprovida de rancor que, por sua vez, não fazia audiência de seu próprio 'holocausto', nem acelerava os protestos contra tantos setembros enlutados, chorosos e encharcados de derrota.

O 'onze' era somente número que lembrava uma desconhecida traição em que Judas havia deixado os 'Doze' desprovidos de completude e inteiramente afastados de toda e qualquer magnitude.

Choro e traição, martírio e degolação, esse era um caminho bem pouco convidativo ao milagre do amor que se descortinou como semeadura de uma colheita eterna que avizinha um reino imperecível sobre todos os povos, nações, tribos e línguas, não é verdade? Onde estariam os cristãos 'politicamente corretos' naqueles dias? Em que momento eles sonhavam ocupar a mídia com o fim de 'ganhar o mundo para Cristo', fazendo valer o maior protesto da história por enfileirarem a injustiça contra si mesmos como nenhuma outra instituição conseguiu fazer nestes mais de dois mil anos sem julgamento de suas 'causas judiciais', como diriam alguns em nossos dias?

Não! Eles, de fato, não perderam a cabeça, ainda que muitos a tenham literalmente perdido, à semelhança da festa que hoje comemoramos no calendário litúrgico ortodoxo – a festa da Degolação de São João Batista. E isso dá festa, é?

Não só festa em nosso calendário, mas presença do homenageado e tudo o mais! Ainda hoje, a Igreja não anda perdendo a cabeça. Ainda hoje, a Igreja festeja as degolações e martírios. Ainda hoje, a Igreja abre mão dos protestos, da mídia, e de toda e qualquer postura 'politicamente correta', pois tem muito a celebrar no festivo Mistério que une céus e terra, vivos e mortos – a Santa Eucaristia.

E se, ainda hoje, 'onze' é símbolo de traição para a Igreja, a sua comunhão com os 'Doze' apóstolos permanece intacta e inabalável na Eucaristia, lá onde a Igreja em festa oculta misticamente a degolação de São João Batista, a morte de todos os seus profetas e mártires, a paixão de seu Senhor, pois o Caminho da Ressurreição foi aberto, a Verdade da história é anunciada à portas fechadas para quem crê e a Vida de entre os mortos ainda sulca o roçado mesmo dos quintos dos infernos, dos escombros do 11 de Setembro, da bandeja sobre a qual escrita sobre seus ícones está a cabeça do Anunciador das Boas Novas, o Precursor da Eternidade, um doce aperitivo sacramental para aqueles que podem "ser batizados com o batismo" de sangue com que ele foi batizado e igualmente com a profusão do Espírito advinda dAquele que foi batizado pela mão de um futuro degolado a fim de que se cumprisse toda justiça...

Rev. Pe. Jário Carlos

Festa da Degolação de São João Batista

Igreja Ortodoxa Sérvia

Dom Amphilóquio Radovic´

Paróquia São João Crisóstomo

Caruaru – PE

2012

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