segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Sermão de Ontem

Como não negociar a Comunhão?
A permissividade e o mundanismo em que viviam alguns cristãos primitivos levou o santo apóstolo Paulo a afirmar categoricamente que não há qualquer comunhão entre a luz e as trevas, entre a mesa de Deus e a dos ídolos. A esse respeito, há alguns trechos dos Evangelhos que nos ajudam a intuir o como, em nossos dias, podemos ser coerentes com tão relevante afirmação paulina. 
Lembro daquele Evangelho em que uma mulher grega, possuindo uma filha horrivelmente endemoniada, insistiu humildemente em buscar da intervenção de Cristo sobre tamanho sofrimento. Jesus pareceu mesmo, em um primeiro momento, advogar a total separação entre as luz e as trevas, comparando metaforicamente os seus discípulos a filhos que se assentam sobre uma mesa e aqueles que não o seguiam a "cachorrinhos". Aliás, a palavra "cão" ou "cachorro" era o modo como os judeus tratavam os não-judeus. Por exemplo, anos depois os judeus registraram no Sidur uma oração matinal obrigatória que dizia: "Graças te dou, Senhor nosso Deus, Rei do universo, pois não me fizeste... um não-judeu". Mas, aquela grega parece que já possuía sangue ortodoxo ao antecipar como que um 'Kyrie Eleisson'. E Jesus mostrou que exercer misericórdia nunca será proibido, nem em dia algum, como acentua aquela passagem a respeito do sábado, nem com quem quer que seja. 
Sim! O exercício de misericórdia com aqueles que não são discípulos de Cristo parece mesmo ser a forma mais adequada de evidenciarmos a diferença do Evangelho da luz de Cristo para com os que estão nas trevas. 
Contudo, isso não poderia ainda parecer arrogante de nossa parte? Isso não é tantas vezes interpretado como se estivéssemos partindo da idéia de que nosso semelhante necessita de nós, o que pode fazer não só com que se sinta inferiorizado, mas com que nos sintamos superiores por poder ajudar e sorrateiramente orgulhosos de nossa benevolência e capacidade? Isso sem falar daqueles que usam a caridade ou o exercício da misericórdia programática e estrategicamente. Isso não é severamente ímpio? Não é esse o programa ativista e corporativista de inúmeras instituições expansionistas em nossos dias? Não é assim, por exemplo, que se ganha política no Brasil? Ou não é mais ou menos assim que muitos grupos religiosos conquistam seu almejado crescimento?
Se é assim, qual seria então a melhor forma de evidenciarmos a diferença entre a luz e as trevas afirmada categoricamente por São Paulo aos cristãos de Corinto?Certamente, uma outra porção do Evangelho nos socorrerá na resposta a tão intrigante pergunta. 
E aqui, prefiro lembrar aquele trecho em que Jesus fala tão mais inegociavelmente do que São Paulo ao afirmar: "Quem quiser ganhar a sua vida, perde-la-á e quem perder a sua vida, por amor de mim, acha-la-á, pois em verdade vos digo que alguns dos que aqui estão não provarão a morte sem que vejam o Reino de Deus se manifestar com poder". 
Eis então a resposta! Em uma palavra: renúncia. Não simplesmente exercício de misericórdia ou caridade, mas principalmente renúncia em todas as coisas, aquela mesma que começa ao abrirmos mão mesmo de nossas necessidades básicas como alimentação, vestimenta, tempo, espaço, impulsos corporais, desejos, projetos, auto-imagem, auto-estima, e algumas outras "coisinhas" que povoam o nosso ser interior mais do que se constituem em realidades meramente externas. 
Sim! Abrir mão de tudo, mas conforme disse o Evangelho: por amor de Cristo somente. Se assim não for, de nada adiantará tanta misericórdia com os caídos, tanta caridade com os necessitados, de nada nos valerá mesmo nossa ascese (= ou exercícios de renúncia). 
Enfim, todo e qualquer exercício proposto pelos Evangelhos visa a unicamente nos distinguir do império das trevas, mas isso só é realmente significativo quando praticamos aquilo que nunca o mundo quererá praticar - a Verdadeira Prática da Renúncia. Somente assim é possível contemplar a manifestação do Reino com poder, como ocorreu com os discípulos de Cristo. Tal manifestação se deu não por causa do muito amor que possuíam, pois o Espírito, cujo fruto é o amor, ainda não havia se manifestado porque Jesus não subira aos céus. Todavia, a renúncia da Igreja em permanecer em oração e obediência às instruções do Ressurreto foi não somente a causa humana do Pentecostes, mas também a divina inauguração daquele Pentecostes que evidencia a total ausência de comunhão entre a luz e as trevas.
Pe. Jário Carlos - Sermão Dominical por ocasião da festa de Santa Sophia e suas filhas Fé, Esperança e Amor.

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